a madrugada é inspiradora dos maiores feitos, dos piores planos e das mais loucas tentativas. é nela que o nada do ser entra em conflito e movimenta a manivela da oficina que o diabo se instala.
calor, insônia, noite. estes, separados, podem causar a náusea de um suor escorrido, o bocejo das olheiras mudas ou o estímulo do escuro que nada esconde. mas, juntos, podem ser um palco sem platéia daquilo que ao meio dia, você não faria. porres homéricos, conversas de botinas, pensamentos soltos, escritas em destino ou o encontro de um sentido para aquilo que nem existe.
a Lua faz parte dos bastidores destas insônias. talvez daí venha a simpatia pelo escuro que a acompanha, já que na sua condição de apaixonada pelo astro que traz as boas novas num raio e a dispensa em outro, prefere dividir em partes, em fases, a sua presença.
a hora do adeus é quando o vento balança a seda da cortina e não mais a noite se enquadra na janela. o calor e a insônia permanecem intactos, mas a noite começa a dar lugar a realidade. não me incomodo! pois a certeza de que outra virá, sem tardar, ou melhor, quando entardecer, é tão verdade quanto a que de que talvez eu não desfrute dela. mas a confiança de que ela virá, dia após dia, categoricamente, me concebe a permissão de me entregar ao pedido dos olhos.